quinta-feira, 13 de outubro de 2022

BOCCACCIO, DECAMERON

 No começo de Decameron, encontramos o apelo de Pampinea, no sentido de fugirem à peste e à morte física e moral que se vive em Florença, «un mondo alla rovescia».1

Na Introdução à 1ª novela, Pampinea, no seu discurso, faz alusão ao deleite e ao prazer que podem encontrar fora do caos da cidade, «E lembrem-se de que é mais conveniente ir embora com decência» (p.24). Alerta também para as questões relacionadas com o decoro, «(…) fugindo da morte aos exemplos indecorosos (…), fôssemos decorosamente para as propriedades do campo (…); e ali gozássemos da festa, da alegria e do prazer (…), sem ultrapassar (…) os limites da razão.», 2

Podemos encontrar o mesmo assunto no discurso de Pamfilo, na conclusão da 10ª novela da 10ª jornada, «(…) amanhã faz quinze dias que saímos de Florença para termos alguma distração que nos servisse de amparo à saúde e à vida (…)». 3 Na harmonia entre estes dois discursos, que se completam, observa-se a circularidade da obra. Não só a brigata regressa ao ponto de partida, a Igreja de Santa Maria Novella, como demonstra ter conseguido concretizar o projeto a que se tinha proposto. Baseando-se nos valores da virtude, do respeito, da fraternidade e no crescimento moral e intelectual, os jovens formaram, a partir da sua micro comunidade, um novo modelo social.

Nas Introduções e conclusões das novelas que cada um irá contar, há sempre reações verbais dos jovens da brigata, que manifestam os diferentes pontos de vista da brigata. Desde a sensatez de Filomena, que apela à prudência, «somos volúveis e medrosas», ou Elisa, «não sejamos seguidas por contrariedades e escândalos» ou ainda de Neifile, «levando-os connosco, possamos incorrer em infâmia e desaprovação», Dioneu contrapõe dizendo que «(…) foi a sensatez, mais a nossa astúcia que nos trouxe aqui». Reações, que levam por vezes a que as meninas corem, ou que todos riam, quando o tema das novelas é o erotismo, «todas as delícias do mundo são uma bobagem em comparação com a delícia que é a mulher estar com o homem». 4 Diz Asor Rosa, quanto à temática do Eros, que «nenhuma lei pode interferir num amor prazeroso, (…) O amor tratado como um fator determinante da vida, (…) as forças e os impulsos naturais (…) camuflado de virtude e fortuna». Também o final trágico do amor infeliz de Guiscardo e Guismunda, 5 os emociona «A história contada por Fiammetta mais de uma vez arrancara lágrimas dos olhos de suas companheiras (…)» ou a história do burlão e sacrílego Ciappelletto 6, os diverte, «A novela de Pânfilo foi em parte acolhida com risos e no todo elogiada pelas mulheres; foi atentamente ouvida (…)». Segundo Ferroni, no Decameron há um «percurso ascensional que vai do vício dominante, da 1ª novela, com Ciappelletto, à virtude dominante da última, com Griselda, apoteose da donna-madre» .

Podemos concluir, que do início ao final das 100 novelas, não há uma ligação entre o que os jovens ouviam contar e o que faziam, o que confirma o caráter exemplar da brigata, como se pode verificar nas palavras de Pamfilo, na última jornada de Decameron«; (…) coisa que (…) segundo o meu juízo, fizemos com honradez, (…) embora tenham sido contadas histórias alegres e talvez capazes de despertar a concupiscência, (…) não chegaram ao meu conhecimento (…) nada que fosse censurável, (…) contínuo decoro, contínua concórdia, contínua familiaridade fraterna.

Bibliografia

G. Boccaccio, Decameron: Tradução de Ivone Benedetti

Ferroni, Giulio, Storia della literatura  Italiana

Rosa Alberto Asor, Boccaccio, Decameron

 

Notas

1Ferroni, 2.5.9

2Decameron,  p.23

3Decameron. P.528

41ª Novela da 3ª Jornada

52ª Novela da 4ª Jornada. p, 203

62ª Novela 1ª Jornada p. 37

 

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