sábado, 8 de outubro de 2022

A missão Profética do peregrino Dante

Dante, na Divina Comédia, incumbe a personagem principal de uma missão profética. O peregrino Dante só tem consciência desta missão profética, no Canto XXXII, V. 103, Purgatório, quando Beatriz lhe diz que tem de registar tudo o que vê para o poder denunciar, quando chegar à terra, «A bem do frágil mundo, o carro à frente/observa - e o que vais ver anota e grava, / por que o descrevas lá exatamente.» Também no Canto XXXIII, da mesma cantica, Beatriz lhe pede mais uma vez para contar tudo o que vira, v.52 «Minha palavra grava, de tal sorte/que a possas transmitir inalterada/aos que, na terra, voam para a morte».

Os dois guias do poeta-profeta, Virgílio e Beatriz, desempenham um papel fundamental no auxílio ao cumprimento da sua missão. Além disso, são eles que lhe revelam as três profecias enigmáticas, que anunciam um segundo advento que irá restabelecer a ordem e combater a cupidez e a avareza. 

Sendo eleito por Deus, a sua missão, de caráter universal, tem, portanto, como objetivo, restaurar a ordem social e espiritual no mundo, desgastado pela corrupção e pelo caos sociopolítico e religioso. 

Neste sentido, para falar da Missão profética, parece-me necessário referir o contexto político-religioso, na contemporaneidade de Dante. Ao lermos e analisarmos o Cantos XV e XVI da Comédia, através do Purgatório e Paraíso, podemos verificar a corrupção dos dois poderes universais, ou seja, do poder temporal e do poder espiritual e a confusão gerada pela ambição de rivalizarem entre si. No Canto XVI, v.109 do Purgatório, o espírito de Marco Lombardo faz referência a essa confusão, confusão que não existia na Roma antiga, em que os dois poderes estavam separados, «Mas um o outro eclipsou, e uniu-se a espada/à pastoral; e juntos, claramente, /não podem bem cumprir sua jornada.» 

As personagens, através das três cantiche, dão a Dante protagonista, motivo para lamentar o estado caótico em que se encontrava Florença na contemporaneidade de Dante. 

Com efeito, no que respeita em particular à terra natal de Dante, Cacciaguida, no Canto XV do Paraíso, através da descrição da Florença do seu tempo, e utilizando sempre frases na negativa, permite deduzir, em contraponto, uma crítica à Florença da contemporaneidade de Dante. Por um lado, na Florença do seu trisavô, não havia lugar a excessos, era uma sociedade que vivia na simplicidade e na observância dos valores morais e civis, v.97, Canto XV, Paraíso, «Florença (…) / (…) / era modesta e casta em seu abrigo, não ostentava luxos excessivos, v.100-101, «Não ostentava fúlgida coroa, / nem pulseiras, nem saias de brocado, /nem cintas, mais brilhantes que a pessoa.»

Para concluir, a missão do poeta-profeta foi cumprida, ainda que a sua tarefa de pôr por escrito aquilo que observou tenha sido muito difícil. Como refere G. Holmes, «O poeta lamenta o seu fraco poder de recordar ou de exprimir, não aquilo que desejaria dizer, mas aquilo que ele tinha visto, Canto XXXIII, versos 121-123, «Ah! Como é vã a voz e incompetente, / por demonstrá-lo! E creio ser melhor/ calar do que dizer tão pobremente!», acreditando, que fora destinado a comunicar a sua visão divina aos seus irmãos na terra.» (Holmes).




                                                                                                                            


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