domingo, 9 de outubro de 2022

UM CONTO “TEATRAL: “COISA-RUIM”, DE TCHÉKHOV


“O conceito de teatralidade permite articular o teatral e o não teatral, na medida em que pode dar conta de um desejo de teatro no que ainda não o é e que ilumina a relação entre texto e representação, esta sendo definida como a assunção de um texto pelo corpo e pelo espaço cénico ”.Geneviève Jolly e Muriel Plana, “Théâtralité”, in J.-P. Sarrazac (ed.), Lexique du drame contemporain. Paris: Circé, 2010, p.213

No conto “Coisa-ruim”, de Tchékhov, encontramos vários elementos impressivos e indícios de teatralidade, seja através da noite, do incêndio que ocorre no final, ou no momento em que o guarda acende os fósforos. Assim, podemos dizer que há um desejo de encenação, como Sarrazac define no supracitado conceito de teatralidade.

Os elementos teatrais, como por exemplo, o guarda-roupa, o som e os gestos das personagens, de um modo individual, transmitem-nos mensagens e sensações diferentes, tal como no conto em apreço. Deste modo, a teatralidade define-se em relação ao palco, ao espetáculo.

Tchékhov retrata o ser humano tal como ele é, sem erros, mas também com defeitos. Trata-se de uma narrativa que se pode caracterizar como realista, convencional e dramática, através de diálogos, pelos quais se vai descobrindo a história. É concluída em modo aberto.

Em “Coisa-ruim”, que se inicia com uma longa citação, que pode corresponder a uma didascália, o tema da morte faz com que o medo se desenvolva ao longo da história (p.e. “Fecha os olhos, cheio de medo, todo o corpo lhe treme, aperta-se contra a cerca. (...) Com um mau pressentimento e ainda a tremer, o aguarda abre a cancela (...)”.

Um tom sombrio - não fosse Tchékhov um autor da desesperança - é evidente através do cenário descritivo, ao desenvolver-se à noite regista-se um nível de tristeza simplesmente pela hora do dia, bem como pelo local - um cemitério – que traz à tona sentimentos de tristeza, utilizado pelo autor – como a aludida espessura das significações e dos sentidos - para que o leitor se sinta assustado e vulnerável ao desconhecido, com base na configuração sombria. Ainda, em contraste ao tom sombrio, à escuridão, que simboliza o desconhecimento, os momentos de claridade representam o conhecimento.

Em suma, no conto teatral “Coisa-ruim”, ao domínio da tensão psicológica em detrimento da ação, temos presente características tradicionalmente teatrais, como um abundante discurso direto, no presente do indicativo, sendo essencialmente construído através das falas das personagens, criando assim uma ideia de temporalidade.

 



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